Tolkien e Lewis – Conceito de fé e fantasia

Como os dois maiores nomes da literatura fantástica revolucionaram o gênero em um cenário pós guerra, com direito a conversão ao cristianismo

Meu império romano literário é imaginar Tolkien e C.S.Lewis numa manhã de segunda feira, sentados juntos, tomando um chá e conversando sobre o grupo de leitura deles, um círculo informal de escritores e acadêmicos associados a Universidade de Oxford chamado “Inklings” (pressentimento).

Também se tornou costume de Tolkien me visitar nas manhãs de segunda-feira para tomar uma taça. Este é um dos lugares mais agradáveis da semana. Às vezes, conversamos sobre política escolar inglesa; às vezes, criticamos os poemas uns dos outros; em outros dias, nos perdemos em teologia ou no estado da nação; raramente voamos mais alto do que obscenidades e trocadilhos.

Sempre admirei a escrita do Lewis e a sua forma de trazer o fantástico para fazer alusão ao bíblico. E quanto mais eu penso e estudo sobre Nárnia, mas eu preciso pensar e estudar sobre a mente e a vida desse autor. E esse sempre será meu império romano, Lewis e Tolkien, compartilhando ideias e experiencias enquanto escreviam obras literárias que iriam além de suas expectativas.

A princípio Tolkien e Lewis se encontravam em um pub para discutir sobre suas aspirações profissionais e compartilhar experiências e conhecimentos, mas eles também debatiam sobre literatura e fé. Eles não concordavam sobre a natureza das histórias que ambos tinham uma grande admiração. Para Lewis, que era ateu, os mitos antigos eram apenas obras fictícias, mas Tolkien respondia defendendo que na verdade, era Deus se expressando através de poetas. Que esses mitos eram “fragmentos fragmentados” de uma história muito maior, com a diferença de que essa história de fato aconteceu. Tolkien, tinha como base para suas obras literárias a convicção de que a criatividade humana era uma grande dádiva de Deus, e que essa dádiva se transformava no seu poder criativo através da escrita.

E foi depois desse debate, que durou toda a madrugada, que Lewis se converteu ao cristianismo e escreveu:

Acredito no cristianismo como acredito que o sol nasceu: não apenas porque o vejo, mas porque através dele vejo todo o resto.

Lewis escreveu em seu diário que não entendia porque todas as pessoas que ele conhecia e admirava se revelavam cristãos, e os seus amigos ateus pareciam sem graça aos seus olhos. Ele não conseguia mais achar base para sustentar seus fundamentos ateístas, e acabou escrevendo tempos mais tarde:

Os dois hemisférios da minha mente contrastavam nitidamente. De um lado, um mar de muitas ilhas de poesia e mito; do outro, um racionalismo superficial e superficial. Quase tudo o que eu amava, eu pensava ser imaginário; quase tudo o que eu acreditava ser real, eu pensava ser sombrio e sem sentido.

Os acadêmicos da época normalmente desprezavam a literatura fantástica, mas Lewis e Tolkien eram os maiores defensores do gênero. O modernismo era o que imperava na literatura pós guerra da Grã-Bretanha, esse tempo se baseava na noção de que nenhuma verdade era absoluta e que todas as crenças deveriam ser questionadas.  Então defender fé, sacrifício e princípios era algo tido como ultrapassado, mas os Inklings permaneciam juntos, se destacando como uma resistência. 


Lewis era um homem impressionante, e isso era estimulado por sua grande generosidade e capacidade para amizade. A dívida impagável que tenho para com ele não foi “influência” como é comumente compreendida, mas puro encorajamento. Por muito tempo ele foi meu único público. Apenas a partir dele tive noção de que meu “material” poderia ser mais do que um passatempo particular. Se não fosse por seu interesse e avidez incessante por mais, eu jamais teria concluído O S. dos aneis” Carta 276 para Dick plotz 12 setembro de 1965

Foram muitos anos de amizade, mas Tolkien e Lewis discordavam em questões da maneira que introduziam a fé em suas obras. Tolkien admitiu que Nárnia estava “fora do meu alcance de simpatia, assim como grande parte da minha obra estava fora do alcance da dele”. Chamou a escrita de Lewis de “rangente” e “rígida” e sugeriu que não era original, afirmando que “Lewis era um homem muito impressionável”.

Do outro lado, Lewis reclamava que Tolkien era muito chato e perfeccionista: “Seu padrão de autocrítica era alto, e a mera sugestão de publicação geralmente o levava a uma revisão, durante a qual tantas ideias novas lhe ocorriam que, onde seus amigos esperavam pelo texto final de uma obra antiga, na verdade receberam o primeiro rascunho de uma nova.” 

Mesmo entre desavenças e discordâncias, ambos tiveram papéis fundamentais na construção das suas principais obras literárias. “Este livro é como um raio caindo de um céu claro”, disse Lewis sobre A Sociedade do Anel quando foi lançado em 1954 e Tolkien recomendou uma editora para o romance de ficção científica de Lewis, Out of the Silent Planet

Em uma carta a um amigo, Lewis escreveu que esperava que o livro de Tolkien “inaugurasse uma nova era”. E Lewis estava certo, pois de fato aconteceu. E, no final, Tolkien superou Lewis como um dos escritores mais populares do mundo.

Em 1967, quatro anos após a morte de Lewis, Tolkien escreveu: “Para dizer a verdade, ele  nunca gostou muito de hobbits”. Ainda assim, apesar de suas diferenças, os dois professores de Oxford, ajudaram um ao outro em pontos cruciais de suas carreiras literárias.

Carol Toledo

Carol Toledo é jornalista, tem 31 anos e mora em Guarulhos São Paulo.

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