“As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender.”

 

Elena Ferrante, um dos nomes mais comentados dos últimos anos no meio da literatura tendo um livro citado como o melhor deste século em uma lista feita pela New York Times. Esse nome é um pseudônimo, ou seja, um nome inventado de uma autora(o) que prefere se manter no anonimato e pesquisando mais sobre eu achei uma frase que ela deu para uma entrevista, ao ser questionada sobre sua verdadeira identidade que eu achei maravilhosa. Ela disse: 

“Eu acredito que os livros não precisam dos seus autores para nada, depois de escritos. Se tiverem alguma coisa para contar, mais cedo ou mais tarde encontrarão leitores; se não, não.”

 

Leda, é uma professora universitária de meia-idade que tem duas filhas já crescidas e que decidiram se mudar para o Canadá para morar com o pai. Com isso, ela se sente finalmente livre para tirar férias no litoral sul da Itália, já que está livre das suas obrigações como mãe. 

Nos primeiros dias de férias ela cria uma obsessão por uma família bem peculiar que está curtindo a tarde na praia, entre muitos parentes estranhos ela fica intrigada em especial por Nina, que é uma jovem mãe de uma menininha chamada Elena que sempre está acompanhada de sua boneca de plástico.

A interação da Nina, sendo uma mãe jovem e amorosa com Elena, faz a Leda se lembrar da sua própria maternidade. A Nina está sempre atenta, entrega o seu tempo para a filha, brinca com ela, senta na areia e isso mexe com a Leda que começa a se lembrar de coisas que nunca contou para ninguém sobre a criação das suas duas filhas, Bianca e Marta. 

Em uma dessas tardes das férias, a menininha se perde na praia e enquanto todos estão desesperados para encontra-la, Leda rouba a boneca que a menina tanto gostava. 

 

“Pobres criaturas saídas de mim. O que acho mais bonito nelas é aquilo que desconheço.”

 

Esse livro é uma crítica sobre visão que a sociedade tem sobre extinto materno e a perfeição que temos que desempenhar, muitas vezes sem nos sentirmos prontas e aptas para essa função. Algumas revelações da personagem durante flashbacks da infância das filhas me deixavam extremamente desconfortável, porque com imposição da sociedade ou não, não é natural uma mãe abandonar e negligenciar um filho. Mas a autora nos prende na cabeça da Leda de uma maneira que fica até sufocante, porque ela é uma mãe que nunca foi uma filha e o tempo todo durante os argumentos da Leda para justificar seus atos de ódio e desprezo eram: “porque EU isso…”. “Porque EU aquilo…” “porque na minha infância” “porque minha mãe também”…

 

 

Cada personagem desse livro é absurdamente intrigante e encaixa tão perfeitamente pra história que me deixava encantada conforme eu lia, porque não era uma leitura em que eu ficava precisando entender referências, mesmo as coisas que não eram claramente ditas, eram entendidas na narração. Quando a Leda rouba a boneca, aparentemente sem motivo nenhum, e passa os dias observando a garotinha sofrendo a falta de algo que amava e cuidava ou quando ela reconhece na Nina o cansaço e o esforço em parecer sempre a mãe perfeita e decide ajudá-la achando que ela não quer estar ali, projetando em outras mulheres seus fracassos como se todas as suas atitudes fossem de um acordo comum.

Tem uma cena em que ela revela sobre o abandono de suas filhas, quando ainda eram pequenas, que pra mim é uma obra prima. A maneira como ela revela, se sentindo de alguma forma amparada por uma mãe que ela acha que vai compreendê-la, mas ainda assim com muita vergonha e culpa. A autora deixa claro que abomina as atitudes que a Leda tomou por querer viver sua vida, que ela julga ter sido roubada pela necessidade constante do cuidado das meninas e que mesmo a personagem agindo como agiu, ela também se arrepende, mas provavelmente não mudaria nada.

 

– Então você voltou por amor às suas filhas?
– Não, voltei pelo mesmo motivo que me fez ir embora: por amor a mim mesma.”

 

No final, depois de estarmos completamente imersos na mente devastada da Leda, somos confrontados com a dualidade sobre a liberdade. A Leda correu tanto atrás de ser livre, de ter sua vida de volta, de não precisar mais cuidar das suas filhas, e mesmo depois de viver tudo o que ela dizia ser a vida ideal, aquela vida que ela julgava merecer quando foi questionada sobre o motivo de voltar depois de conseguir o emprego dos sonhos, todo prestígio e vida amorosa que sempre sonhou ela respondeu: Porque percebi que não era capaz de criar nada meu que pudesse estar à altura delas 

 

 

Existe um grande mistério em torno de quem é Elena Ferrante, inclusive já levantaram rumores de que poderia ser um homem, mas depois de ler a filha perdida eu duvido que um homem fosse capaz de retratar a maternidade de uma maneira tão real, crua e visceral como ela descreveu. Durante a leitura, eu conseguia entender perfeitamente os pensamentos da personagem e isso só foi possível porque eu também vivi uma gestação, porque existem sentimentos que qualquer pessoa pode entender quando são explicados, mas ser mãe não é uma delas, só entende quem passa.

A adaptação esta disponível na Netflix e tem uma avaliação de 94% da crítica no Rotten Tomatoes. A crítica elogiou a atuação do elenco, especialmente de Olivia Colman, e a ousadia da história. Apesar do sucesso entre os críticos, o filme foi considerado denso e desafiador por alguns espectadores, o que não me surpreende já que o livro também é uma experiência.